domingo, 18 de julho de 2010

Barreiras e falta de sensibilidade: uma questão de consciência social.

Artigo do Repórter SACI Voluntário Wiliam Machado aborda o descaso da sociedade em relação à acessibilidade das pessoas com deficiência.


Wiliam Machado

As experiências cotidianas não deixam dúvidas do quanto precisamos nos mostrar mais receptivos para com as necessidades dos outros, particularmente, no que tange ao que lhes é de direito assegurado pela legislação brasileira. Mesmo que pareça repetitivo, é pertinente lembrar que temos no Brasil uma das legislações mais avançadas em termos de direitos das pessoas com deficiência (PcD), restando tão-somente que a sociedade tome mais conhecimento de seus ditames, implicações e jurisprudências, sobretudo, aplicando-os na prática de suas diversas esferas operativas.



Não bastasse a freqüente inobservância da Guarda Municipal e da própria Polícia Militar quanto à ocupação irregular das vagas específicas para estacionamento de veículos em uso pelas PcD, não raro, deparamo-nos com veículos estacionados frente às guias de acesso das pistas de rolamento para as calçadas, sugerindo absoluta ausência de sentido perceptivo de que, procedendo assim, estará cerceando o direito de ir e vir de muitos outros com dificuldade de locomoção. Há também quem reaja esboçando expressões sarcásticas, como se nós fôssemos culpados por seus atos infratores, além de errados por sair de casa para lhes causar transtornos.



Dia desses, tive de comparecer na agência da CEF, ali, na Rua Gomes Porto, centro da cidade de Três Rios. Para minha surpresa, havia uma viatura da Polícia Militar estacionada justamente em frente à única guia de acesso da pista de rolamento para a calçada. Como a guarnição permaneceu estática e indiferente ao que se passava diante de seus olhos, tivemos de recorrer ao procedimento de empinar a cadeira para alcançar a calçada e adentrar na CEF. Aliás, manobra que depende da ajuda de terceiros para ser executada, ainda assim, arriscada quanto à possibilidade de queda.



Em se tratando de situações extremas e características do descaso para com direitos legítimos das PcD, nada tão vexatório como o vivenciado dia 7 de abril de 2008, na Clínica Três Rios Sociedade Cívil Ltda, situada à Rua Duque de Caxias, 484, Centro - Três Rios/RJ. Conveniada do DETRAN para exames médicos necessários para habilitações ou respectivas renovações, fui encaminhado para exame oftalmológico. Ao chegar, percebemos que havia um monte de galhos secos de arvore obstruindo a passagem, ocupando parte da pista de rolamento, toda a calçada e entrada do prédio. Quadro agravado pelo acentuado ângulo de inclinação da rampa de acesso ao interior da construção reformada para fins comerciais, completamente destoante do recomendado pela NBR ABNT 9050/2004. Tivemos de pedir à recepcionista para que alguém varresse pilhas de folhas úmidas (porque chovia) acumuladas ao longo da rampa, por representar potencial fator de risco de acidentes tanto para o cadeirante como o seu acompanhante.



Do ponto de vista legal e chamando atenção para as disparidades apontadas acima, destacam-se alguns preceitos do Decreto 5.296/2004, a saber: "Art. 5o Os órgãos da administração pública direta, indireta e fundacional, as empresas prestadoras de serviços públicos e as instituições financeiras deverão dispensar atendimento prioritário às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida; Art. 11. A construção, reforma ou ampliação de edificações de uso público ou coletivo, ou a mudança de destinação para estes tipos de edificação, deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis à pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. § 2o Para a aprovação ou licenciamento ou emissão de certificado de conclusão de projeto arquitetônico ou urbanístico deverá ser atestado o atendimento às regras de acessibilidade previstas nas normas técnicas de acessibilidade da ABNT, na legislação específica e neste Decreto". Diante disso, questiono: A falha estaria nos instrumentos de fiscalização da Secretaria Municipal de Obras? Qual o papel do Conselho Estadual de Engenharia e Arquitetura diante de tanta distorção? Como um órgão como o DETRAN pode estabelecer convênio com empresa sem acessibilidade? Até quando perdurarão atitudes ilícitas partidas de instâncias públicas que deveriam servir de exemplo?



Finalmente, cabe acrescentar que a Assembléia Geral das Nações Unidas, em 13/12/2006, assim nos conceituou: "Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas" (Artigo 1, Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário). Portanto, a eliminação de barreiras precisa ser assimilada como compromisso ético de todos os membros da sociedade, em especial da classe política e/ou sujeitos que detenham instrumentos de poder, influência e gerência social, para que juntos possamos concretizar atitudes inclusivas e solidárias no harmônico convívio com as aparentes diferenças da condição humana. Como bem disse Cláudia Werneck: "No modelo de sociedade inclusiva ninguém é bonzinho. Somos apenas - e isto é o suficiente - cidadãos responsáveis pela qualidade de vida do nosso semelhante, por mais diferente que ele seja ou apenas nos pareça ser".

Prof. Dr. Wiliam C. A. Machado, Repórter SACI Voluntário
Secretário Municipal do Idoso e da Pessoa com Deficiência de Três Rios, Rio de Janeiro.



Fonte:
http://www.saci.org.br/index.php?modulo=akemi¶metro=21624

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