domingo, 18 de julho de 2010

Hospedagem para pessoa com deficiência: Alguns transtornos (des)necessários na maior região metropolitana do Brasil

Wiliam César Alves Machado denuncia falta de atenção da rede hoteleira de Santo André (SP) com as necessidades das pessoas com deficiência.



Wiliam César Alves Machado


Consoante com as demais regiões do Brasil e divergente ao que se compreende por sociedade inclusiva, a rede hoteleira de Santo André, no rico ABC paulista, decididamente não oferece hospedagens dignas e compatíveis com as necessidades de pessoas com deficiências, por mais improvisados que estejam seus ambientes e espaços destinados aos visitantes que se apresentam fora dos padrões de normalidade. Tendo sido convidado a proferir palestra de cunho acadêmico numa Instituição Particular do Ensino Superior de Santo André, aceitei quando me foi confirmado hotel com acomodações adaptadas para receber hóspedes com deficiência física, cadeirante. Afinal, tratava-se de reserva confirmada no Íbis Santo André, da renomada rede Accor Hotels, o que de certa forma me levou a confiar em plausíveis adequações às normas de acessibilidade, e acreditar que a estadia poderia ser menos desgastante que os já vivenciados momentos nada aprazíveis na rede hoteleira, Brasil afora.



Importante observar que o único hotel da cidade que dispõe de acomodações para pessoas com deficiência, é o Íbis Santo André, não obstante a ampla oferta hoteleira do município e o especificado na NBR 9050:2004 da ABNT, a saber: "Em hotéis, pelo menos 5%, com no mínimo um do total de dormitórios com sanitário, devem ser acessíveis. Estes dormitórios não devem estar isolados dos demais, mas distribuídos em toda a edificação, por todos os níveis de serviços e localizados em rota acessível. Recomenda-se, além disso, que outros 10% do total de dormitórios sejam adaptáveis para acessibilidade. As dimensões do mobiliário dos dormitórios acessíveis devem atender às condições de alcance manual e ser dispostos de forma a não obstruírem uma faixa livre mínima de circulação interna de 0,90m de largura, prevendo área de manobras para o acesso ao sanitário, camas e armários. Os armários devem também oferecer condições de uso e devido acesso para cadeirantes. Deve haver pelo menos uma área com diâmetro de no mínimo 1,50 m que possibilite um giro de 360°.A altura das camas deve ser de 0,46m". Elementos que passam longe dos requisitos dispostos no Íbis Santo André para uso de seus eventuais usuários, embora a empresa divulgue que o hotel cumpre normas de acessibilidade da ABNT.



É importante observar que existem parâmetros antropométricos precisos estabelecidos pela NBR 9050:2004 ABNT, determinando a largura mínima necessária para a transposição de obstáculos isolados com extensão de no máximo 0,40m deve ser de 0,80m, entre duas paredes do corredor, além de fixar largura mínima para a transposição de obstáculos isolados com extensão acima de 0,40m deve ser de 0,90m. O que na realidade existe no interior do apartamento 101 do Íbis (o único com pretensas adaptações), são exatos espaços convencionais, salvo algumas tentativas de adaptação no banheiro, cujos resultados não atendem ao disposto nas normas de acessibilidade vigentes. Corredor e porta do banheiro estreitos, áreas de transferência deveras inadequadas tanto próxima da cama quanto no interior do banheiro, mobiliário inacessível, além da falta de ducha no boxe do banheiro para viabilizar o ensaboar e enxágüe das pernas, pés e devidos procedimentos do toalete.



No que diz respeito à área para manobra de cadeiras de rodas sem deslocamento, por exemplo, recomenda-se as seguintes medidas: a) para rotação de 90° = 1,20m x 1,20m; b) para rotação de 180° = 1,50m x 1,20m; c) para rotação de 360° = diâmetro de 1,50m. Na mesma NBR observa-se que os boxes para bacia sanitária acessível devem garantir as áreas para transferência diagonal, lateral e perpendicular, bem como área de manobra para rotação de 180º (1,50m x 1,20m). Para boxes de chuveiros, deve ser prevista área de transferência externa ao boxe, de forma a permitir a aproximação paralela, devendo estender-se no mínimo 0,30m além da parede onde o banco está fixado, sendo que o local de transposição da cadeira de rodas para o banco deve estar livre de barreiras ou obstáculos. Quando houver porta no boxe, esta não deve interferir na transferência da cadeira de rodas para o banco e deve ser de material resistente a impacto. Os boxes devem ser providos de banco articulado ou removível, com cantos arredondados e superfície antiderrapante impermeável, ter profundidade mínima de 0,45m, altura de 0,46m do piso acabado e comprimento mínimo de 0,70m. Recomenda-se banco do tipo articulado para cima.



Fundamental que seja esclarecido que a modalidade com banco fixado nos boxes não é adequada para a necessidade de cadeirantes ou pessoas com deficiência física decorrente de lesão neurológica severa, cerebral ou medular, mas perfeitamente viável para usuários com mobilidade reduzida, obesos, idosos, gestantes, entre outros. Até porque não se pode perder de vista que pessoas com seqüelas de lesões neurológicas extensas, via de regra, apresentam respostas fisiológicas tipo espásticas com movimentos involuntários bruscos de membros superiores e inferiores, alteração da freqüência cardíaca e respiratória, entre outros sintomas, tão logo expostas a alterações da temperatura pelo contato com água quente e seu esfriamento na pele/corpo, deveras estimulados por efeito da circulação ambiente de ar condicionado central.



Recomendável seria que os hotéis dispusessem também de cadeiras higiênicas para oferecer aos hóspedes que dela optassem, disponibilizando de ambas possibilidades para atender às necessidades de maior contingente entre usuários de seus serviços. Nada que não se encontre no mercado, haja vista que a coordenação do evento alugou uma cadeira higiênica para meu uso no período hospedado no Íbis Santo André. Outro aspecto importante a ser considerado reporta à elevação da bacia sanitária em relação ao piso do banheiro, recomendada para pessoas com mobilidade reduzida, mas contra-indicada para pessoas que usam cadeira higiênica devido ao pouco espaço entre a base superior da bacia e a estrutura da cadeira higiênica, o que gera dificuldade para o mesmo usar a ducha higiênica.



Com efeito, as constatações do presente relato não coadunam com as disposições do Decreto Lei nº 5296/2004, a saber: Art. 5º - Os órgãos da administração pública direta, indireta e fundacional, as empresas prestadoras de serviços públicos e as instituições financeiras deverão dispensar atendimento prioritário às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida; Art. 6o - O atendimento prioritário compreende tratamento diferenciado e atendimento imediato às pessoas de que trata o art. 5o; § 1o O tratamento diferenciado inclui, dentre outros: II - mobiliário de recepção e atendimento obrigatoriamente adaptado à altura e à condição física de pessoas em cadeira de rodas, conforme estabelecido nas normas técnicas de acessibilidade da ABNT; Art. 11. - A construção, reforma ou ampliação de edificações de uso público ou coletivo, ou a mudança de destinação para estes tipos de edificação, deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis à pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida; § 1º - As entidades de fiscalização profissional das atividades de Engenharia, Arquitetura e correlatas, ao anotarem a responsabilidade técnica dos projetos, exigirão a responsabilidade profissional declarada do atendimento às regras de acessibilidade previstas nas normas técnicas de acessibilidade da ABNT, na legislação específica e neste Decreto; § 2o - Para a aprovação ou licenciamento ou emissão de certificado de conclusão de projeto arquitetônico ou urbanístico deverá ser atestado o atendimento às regras de acessibilidade previstas nas normas técnicas de acessibilidade da ABNT, na legislação específica e neste Decreto.



Costumo aproveitar essas oportunidades para sugerir aos responsáveis alcançáveis das empresas, para orientações básicas sobre acessibilidade em lócus, pois creio ser esta uma de nossas maiores responsabilidades sociais. Assim o fiz antes de deixar o hotel, convocando o gerente e o profissional responsável pelo evento, que é da área de saúde, para checar comigo todos os aspectos de acessibilidade que carecem de devida adequação. Enfim, espero que pessoas que exercem cargos públicos de fiscalização dos ambientes coletivos demonstrem mais critério e dedicação no exercício de suas funções, só assim estaremos efetivamente empenhados na construção de uma sociedade mais justa, equânime, inclusiva e participativa.

Prof. Dr. Wiliam César Alves Machado
Secretário Municipal do Idoso e da Pessoa com Deficiência de Três Rios, Rio de Janeiro.



Fonte:
http://www.saci.org.br/index.php?modulo=akemi¶metro=19827

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