segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O idioma do silêncio

29/07/2010


Os quase 6 milhões de deficientes auditivos do País reivindicam a difusão da Língua Brasileira de Sinais para facilitar a comunicação e a convivência em sociedade

Gisele Brito

No último Fashion Rio, uma modelo chamou atenção porque, além de ser linda, é surda. Brenda Costa, de 27 anos, nasceu sem audição. Aos 17, tornou-se modelo internacional. Desde criança ela tem o acompanhamento de fonoaudiólogos e por isso consegue falar, ainda que com dificuldade. Há 4 anos passou por um procedimento cirúrgico que possibilitou que escutasse alguns sons. Assim como Brenda, quase 6 milhões de pessoas no Brasil são surdas, segundo dados do IBGE.

O grupo tem o segundo maior índice de empregabilidade entre todas as chamadas deficiências - segundo o ministério do Trabalho, em 2008 havia 79,6 mil trabalhadores com carteira assinada - e possui a maior média salarial, de R$ 2.162. "O surdo não tem uma deficiência, só tem uma língua diferente", diz Neivaldo Zovico, coordenador da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), que nasceu surdo. Ele explica que existe diferença entre quem perdeu a audição em um determinado momento da vida e aquele que já nasceu sem audição. "O deficiente auditivo pensa como ouvinte, o surdo pensa diferente".

A surdez dificulta e às vezes impossibilita a comunicação na língua falada fluentemente na sociedade em que o surdo vive, e essa acaba sendo sua maior dificuldade de inserção social. Por isso, o acesso a escolas que ensinem a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a difusão dela por toda a sociedade é a principal reivindicação de quem não possui audição. "É a língua que te constrói. O surdo sempre consegue uma forma de se comunicar, mas é fundamental que ele se torne um usuário da língua de sinais", explica Jarbas Batista de Oliveira, diretor da Escola Especial de Educação Básica da Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação, instituição ligada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Apesar de conseguir emprego com mais facilidade, os surdos são os mais demitidos. Os empregadores se interessam por não precisar fazer adaptações no espaço físico do ambiente de trabalho, mas logo percebem que contrataram alguém que não fala a mesma língua que eles. Para contornar essa situação, acaba de ser lançado País o primeiro dicionário que reúne Inglês, Português e Libras. "Quem aprende um idioma, aprende uma forma nova de enxergar a realidade", diz Fernando Capovilla, um dos autores.

O catarinense Alexandre Cardoso, de 21 anos, foi incentivado a falar desde pequeno e se alfabetizou em Português. Mas seu desenvolvimento pleno só aconteceu quando aprendeu a língua dos sinais. Atualmente cursa Direito e Letras com habilitação em Libras. Ele conta que, apesar de fazer leitura labial, a comunicação com os ouvintes sempre foi complicada e que quando estava com mais de uma pessoa era quase impossível acompanhar a conversa antes de aprender Libras. Nas duas faculdades, Cardoso conta com intérprete que traduz a aula para a língua de sinais. A figura do intérprete de Libras, aliás, é muito importante para a inclusão do surdo na sociedade. A presença dele em hospitais, por exemplo, é fundamental, apesar de rara. A lei brasileira exige a presença do intérprete em locais públicos, mas isso não é respeitado. "Existem diversos relatos de surdos que ingerem remédios de maneira errada porque não conseguem se comunicar com o médico", alerta Zovico.

Folha Universal

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