segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Mulheres... A embalagem pode ser diferente, mas a essência é sempre a mesma


Rede Saci
23/11/2010
Crônica de Adriana Lage sobre a essência feminina e sua relação com mulheres com deficiência
Adriana Lage
Ontem à noite, ao ler uma revista voltada para o público feminino, fui tomada pela seguinte dúvida: como ficamos, nós, mulheres com deficiência perante a ditadura da beleza? Adoro ler essas revistas que falam sobre comportamento, cosméticos, roupas, corpo perfeito, auto ajuda, etc. Mas sempre sinto falta de matérias com foco também em mulheres com alguma deficiência.





Há uns anos atrás, me lembro de ter lido uma matéria muito bacana, na Revista Cláudia, sobre a Mara Gabrilli. A partir dessa matéria, resolvi dar uma ‘sacudida’ no visual: adotei vestidos, decotes, sapatos de salto, cores e muito brilho... percebi que, assim como a Mara, era possível ser uma mulher bela e desejada mesmo andando sobre rodas. A cadeira de rodas não elimina nossa feminilidade nem a sensualidade. Ao ler a matéria, que falava sobre vários aspectos da sua vida, fiquei mais fã da Mara. Ela é uma das poucas cadeirantes que vejo ilustrando revistas. Inclusive, foi uma das poucas tetraplégicas a posar nua. Ao folhear uma revista, encontramos modelos de todas as raças e tipos de beleza. Aquelas que fogem, de alguma forma, do padrão, aparecem pouco. Quase não vemos cadeirantes, gordinhas, amputadas, idosas, anãs, downs...





Minha irmã morreu de rir com a minha indignação ao ler a revista. À medida que as folhas iam passando, sempre ficava a pergunta: E eu? Onde fico nessa história?? A primeira matéria, falava sobre um corpo perfeito e ensinava uma série de exercícios para se ter um corpo escultural até o verão. Olhei os exercícios e não encontrei um que pudesse ser feito por uma cadeirante tetraplégica... Sempre fui invocada com minha ‘barriguinha’. Já pedi às fisioterapeutas e a 2 personais para me ajudarem a eliminar a indesejada barriguinha. Todos riram e me disseram que não tem jeito. Só lipoaspiração mesmo!! É natural cadeirantes exibirem uma ligeira barriguinha por causa da postura. Minha nutricionista também não me disse que eu queria algo impossível. Mas, mesmo assim, introduziu sementes oleaginosas na minha alimentação. Segundo ela, a ingestão diária de uma castanha do Pará e uma porção de nozes, ajuda a queimar a gordura abdominal. Se realmente funciona, eu não sei. Mas o efeito psicológico é maravilhoso!





Outra matéria sugeria fazer amor em locais inusitados (jardim, montanha, praia, piscina) para despertar ainda mais nossas emoções e hormônios, deixando nosso parceiro louco. Sem brincadeira, em todos os locais sugeridos, as posições indicadas exigiam um certo malabarismo por parte da mulher. Ou seja, tetraplégica, teria que inventar formas alternativas. Se bem que na água, tudo fica mais fácil... Uma das características que mais admiro no ser humano é a sua incrível capacidade de adaptação. Não só no sexo, mas em todos os setores da vida, podemos sempre descobrir ou reinventar formas de se fazer determinada coisa. Com um pouquinho de criatividade e boa vontade, o impossível vira mesmo questão de opinião.





Também fico injuriada com as roupas e sapatos. Já li várias reportagens sobre moda inclusiva e ainda estamos no início do caminho. Mesmo que tenha vontade de comprá-la, muitas vezes, acabo desistindo de levar determinada peça por falta de praticidade na hora de vesti-la, por causa do tecido, por ter botões difíceis de abrir... Determinadas roupas, como, por exemplo, alguns coletes que estão na moda, acabam se agarrando nas rodas da cadeira quando andamos. É meio caminho andado para um acidente! Ainda existem pessoas que pensam que cadeirante precisa andar mal arrumado. Muitas pessoas se espantam quando me vêem toda ‘perua’ na cadeira de rodas. Nada contra quem usa, mas eu não gosto de moleton. Usei muito quando era criança. Agora, só pra dormir, sozinha e nas noites de muito frio!! Alguns amigos me chamam de patricinha. Não ligo para rótulos, nem para roupas de marca... Mas gosto de me arrumar e me sentir bem com a roupa que uso. Uma amiga do trabalho me disse que se tornou mais vaidosa quando me conheceu. Ela me disse que, quando me viu de vestido, exibindo as pernas finas sequeladas da pólio, parou de sentir vergonha de si mesma e de se preocupar com as opiniões alheias. Tratou logo de tirar os vestidos do armário e colocar as pernas e o colo à mostra.





Sempre tive um pé pequeno. Até pouco tempo, era uma luta encontrar sapatos com numeração pequena que não fossem da Barbie!! Felizmente, as crianças de hoje crescem muito rápido e possuem pés maiores. Vira e mexe, alguém ri quando conto que costumo comprar sapatos na sessão infantil das lojas.





Ainda são poucas as revistas voltadas ao público com deficiência. Mas são de grande valia. Sempre trazem conhecimentos novos e experiências bacanas. Sei que, no momento, estou pedindo muito, mas espero ver, ainda, mais matérias voltadas para pessoas com deficiência em revistas ‘normais’. Para as revistas femininas, deixo aqui a minha dica: independente da idade, da raça, da deficiência, do credo, mulher é sempre mulher!! A embalagem pode ser diferente, mas a essência é sempre a mesma. Compartilhamos dos mesmos sonhos, medos, chiliques e amores.

http://www.saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=30592

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